Mulheres de pêlo na venta
29.01.18
Esta manhã acordei com umespalhafato bairrista à minha porta. Ainda mal tinha iniciado o processo deapaziguamento do morning glory do meu pincel, que me obriga a fazer o pinotodas as manhãs para conseguir acertar na sanita, quando ouço o bradar do meunome, em exaltação total: “Anda cá, Patife! Abre a porta que temos de falar! Não julgues que te escapas assim. Eu não sou como as outras. Não aceito isto! Senão me queres mais, vais ter de me dizer isso nos olhos. Isso de pinar e zarparé para as gajas da margem sul!”. Curiosamente nenhuma mulher da margem sul mefez um espetáculo de pé de chinelo destes à porta de casa. Mas pronto. Podiaser do fraco raciocínio matinal mas nunca percebi esta maniado dizer as coisas nos olhos. Achas que o discurso muda por ter a tua lindacara à minha frente, patetinha? Olha lá, não posso só assomar-me à janela edizer-te para ires para casa, que não estou assim tão interessado? Eu acho que sótenho paciência para aturar estas coisas porque reconheço que quem leva comeste portentoso bacamarte, secundado por um menear de ancas digno de ginastaolímpico, depois fica “ó-cio ó-cio que não consigo agora voltar para aquelascoisinhas murchas e enfadonhas”. Tento ser compreensivo porque lhes dei a conhecerum admirável fundo novo e depois têm medo de não encontrar uma pichota que lhespreencha o vazio criado pelo meu bordalo de proporções epopeicas. Daí ahisteria que algumas não sabem gerir e eu tenho o cavalheirismo e acto cívicode a tentar aplacar. Por isso, mandei-a subir. Ouvia-lhe os passos a subir asescadas, trémulos, apesar de vir a treinar o discurso, que bem a ouvientrementes. Uma vez cá em cima a ira parecia ter desaparecido. Quase que lheencontrei um olhar terno. Mas eu cá sou sabido e sei que aquilo ainda lhe estáali à boca de cena a arder no peito. Como não queria prolongar o jogo,expliquei-lhe simplesmente que para o Patife uma vez é ocasional, duas érelacional. Ui. O que fui dizer. Aquela estouvada da crica, possessa dapachacha, pantufeira de bocarra brocheira, devassa de bardanasca lassa, ficoucom os olhos raiados de sangue, vociferando que as coisas não são assim e queela é diferente e que não permite coisas destas porque é uma mulher que se dáao respeito e muito senhora de si. A forma como a aviei à canzana a noitepassada perante uma chuva de impropérios sexuais tira-lhe alguma credibilidade.Depois acabei por finalmente conseguir abrir os olhos ainda meio-adormecidos ereparei no seu singular rosto sob a luz solar que entra alaranjada e morna pelaminha sala adentro e se desmancha em cheio na sua face esquerda. E tudo seiluminou. Não me entres de manhã pela casa a dizer que és uma mulher cheia depêlo na venta, quando na verdade o que tens é buço.